terça-feira, 17 de março de 2015

Angra: Expondo Seus Segredos




Quando nos prendemos a uma confabulação sobre o Heavy Metal nacional, é difícil deixar escapulir o nome do Angra. Afinal, com 23 anos de estrada, a banda é uma das fiadoras em alastrar o Metal do Brasil ao redor do globo, sendo, ao lado do Sepultura, um dos principais nomes do gênero de origem tupiniquim. E mesmo quem não os veneram ou não gostam, o respeito é sempre grandioso, já que, só de nome, possui status fortes. E usando uma frase do ex-vocalista da banda, Edu Falaschi: “Pode mudar a formação toda que, se tiver o logotipo, o pessoal vai comparecer nos shows.” Mas vários problemas, tanto interno e externo, estorvou a banda a ir muito mais além do que está, e a nuvem negra apareceu novamente em 2010, logo após o lançamento do "Aqua", e que se agravou em 2011, na vexatória apresentação no Rock In Rio, que acabou se resultando, no ano seguinte, a saída do Edu do posto de ‘front-man’.

De um 2012 “sabático” e um 2013 de lavar a alma, o Angra teve que arregaçar as mangas e resolver várias pendências antes de voltar aos palcos. Um imaginável desfecho sempre foi um fantasma que incomodou os integrantes depois de tudo que passaram entre 2010 e 2011, principalmente do fundador-membro Rafael Bittencourt, que possui um carinho enorme com seus fãs. E graças às músicas impactantes, e de fãs que carrega uma paixão desde a fundação da “deusa do fogo”, a banda aniquilou qualquer dúvida de quem achava que o Angra deveria acabar, independente de quem estaria cantando, já que o posto de vocalista foi cenicamente mudado mais uma vez, tendo as importantes passagens de André Matos e Edu Falaschi.


A reconstrução começou no início de 2013, a começar pelo posto de vocalista, que se encontrava vago desde a saída do Edu. A intenção, desde o começo, sempre foi montar um ‘reality-show’ para escolher quem seria a nova voz do Angra, dando-se em conta que a prioridade era dar atenção ao talento dos brasileiros, mas, no mesmo ano, com um convite para tocar no cruzeiro “70000 Tons Of Metal”, a banda teve que achar um vocalista urgentemente, e através dos organizadores do cruzeiro, foi sugerido o italiano Fabio Lione (Rhapsody Of Fire, Vision Divine), com a intenção apenas de cumprir esse compromisso. Mas devido aos comentários positivos, acabaram resolvendo recrutá-lo para participar da “Angels Cry - 20th Anniversary Tour”, que foi documentado em DVD com o show gravado em São Paulo. E a estabilização do Fabio no Angra não foi só apenas pelo profissionalismo dele, a simpatia e a boa comunicação com o público, já que ele tem o espirito latino, foi essencial pra que ele caísse na graça dos fãs e tê-los na palma da mão facilmente. Na minha visão, respeitando o André Matos e o Edu, Fabio Lione é o que mais se encaixa no perfil da banda.

A “Angels Cry – 20th Anniversary Tour”, turnê de celebração aos 20 anos de lançamento do ‘debut’ álbum “Angels Cry” (1993), foi à oportunidade dos fãs poderem ver o Angra ao vivo novamente, que teve passagens por diversos cantos do Brasil, América Látina e com shows super lotados. A turnê também não seria o que foi devido a uma grande pessoa, o nada menos que Paulo Baron, um dos nomes mais importantes no mundo do ‘show-business’, empresário da banda há dois anos e que faz as coisas de maneira correta e com seriedade. A volta do Angra se deve muito a ele também, considerando uma espécie de 6º membro.


Passados quatro anos sem apresentar nenhum material inédito, era hora de todos se juntarem para compor músicas novas, e a projeção de como o novo Angra iria soar em estúdio foi muito intensa, lembrando que os dois últimos lançamentos ("Aqua" e "Aurora Consurgens") ficaram bem abaixo do esperado. E, claro, como o Lione iria se comportar diante de seu primeiro trabalho na banda? Na certa, os fãs do Rhapsdoy, imaginavam, de maneira escancarada, que o novo álbum ia ser voltado ao que o Lione está acostumado a trabalhar na sua banda. Já os fãs do Angra tiveram mais perseverança, confiabilidade de seria um trabalho inovador e diferente do que foi produzido nos últimos anos. E é bem isso que encontramos em “Secret Garden”, que além de marcar a estreia do Lione em um ‘Full-Lenght ‘, também traz o jovem baterista Bruno Valverde assumindo as baquetas.    

Passagens sombrias, obscuras, melodiosas e até elementos de música Pop, fazem do “Secret Garden” um disco moderno e contemporâneo, quem ouvir pela primeira vez irá querer escutar com mais frequência, até porque, em partes, o disco foge dos clichês do Power Metal Melódico, mas nunca deixando o DNA do Angra de lado, que é colocar ritmos brasileiros aqui e ali, e um pouco da influencia do Prog Metal também, fatores esses que tornaram a banda referência mundial. E pra quem já gosta dos trabalhos nas guitarras do Kiko Loureiro e do Rafael Bittencourt passará a gostar mais ainda, pois, na minha visão, “Secret Garden” é o trabalho mais rico na parte guitarrística, com riffs indomáveis e repugnantes.

Como aconteceu em trabalhos como “Rebirth” (2001) e “Temple Of Shadows” (2004), o Angra voltou novamente pra Europa para gravar o “Secret Garden”, e a ungida pessoa pra assessorar a produção foi o sueco Jens Bogren, que conseguiu decifrar muito bem a intensão da banda, retribuindo com uma mixagem esplendorosa. O resultado não podia ser outro, é só consultar o currículo dele pra saber toda a diferença; e na pré-produção a banda ganhou um extra especial, que foi gerenciado pelo renomado produtor Roy-Z, o qual prioriza as principais características do artista e sabe tirar o melhor de cada um. Nas partes de composição e elaboração de arranjos, a presença dele foi fundamental.


Logo que adquiri o álbum, já fui pulando para terceira faixa, devido à relevância das duas primeiras. A faixa na qual eu me refiro é a “Final Light”, uma das minhas preferidas, com direito a riffs bem insanos e assombrosos. Vale ressaltar o trabalho do baixista Felipe Andreoli, que segura bem à bronca com um som bem grave e agudo, acolitado pela luxuosa voz do Lione. Caso alguém se interessa em descobrir o conceito das letras, especialmente desta faixa, irá deparar o que a banda estava passando no passado. O refrão reflete isso com clareza: “All the answers only led us to the edge/A final light never came and never will/So we fall and rise and walk again/The matter still prevails/The final light is the path and not the end.” Traduzido pro português: “Todas as respostas só nos levaram até o limite/Uma luz final nunca veio e nunca virá/Então nós caímos e levantamos e andamos de novo/A questão ainda prevalece/A luz final é o caminho e não o fim/Não é o fim.”


“Newborn Me” possui um “QI” de Prog Metal e um refrão magistral, prevalecendo novamente o trabalho das guitarras do Kiko e do Rafael, que é um dos momentos mais singulares durante a execução da faixa. Os ritmos brasileiros, o maracatu, por assim dizer, aparecem de forma rápida na ponte final da música vinda de passagens de música latina, também. E quando nos deparamos com o título da faixa, da pra perceber o relato de uma nova fase do Angra; “Storm Of Emotions” é uma ‘power-ballad’, que começa de forma amigável e maciça. Ela vai se construindo aos poucos até chegar no refrão explosivo e titânico, que ganha um bônus com o ótimo trabalho vocal do Rafael e do Lione cantando muito, como sempre.

E falando do fundador-membro, no “Secret Garden” o guitarrista Rafael Bittencourt aproveitou a oportunidade de apresentar os seus dotes como vocalista em um disco do Angra. “Bittencourt Project” foi o seu primeiro trabalho como músico solista onde há linhas vocais do próprio, e na faixa “Violet Sky” mostra um timbre de voz bem mais maduro e aperfeiçoado, que vai desde o mais grave e até alcançando notas mais altas. Em suma, a faixa tem riffs bem distorcidos e grooveados, mas que ganha melodia conforme o andamento; “Upper Levels” da uma economizada no peso para aprimorar a parte técnica dos músicos, englobando mais equilíbrio e feeling, com o Felipe dando um show nas seis cordas de seu baixo, não esquecendo, claro, do talentoso baterista Bruno Alverde, que além de tocar Thrash, Power e Death Metal, consegui imprimir as suas influências de Jazz e Fusion dentro do Heavy Metal. E uma coincidência legal: o baterista reside na mesma cidade deste que vos escreve.


As participações especiais femininas são um dos momentos mais engomados no álbum, começando pela ditame participação da rainha do Heavy Metal, Doro Pesch, em “Crushing Room”. Quando a voz da alemã está presente em qualquer trabalho, ou em algum show, não há erros pra serem apontados. O dueto bem caprichado com o Rafael, a mescla de música Pop com Heavy Metal e solos marcantes, são os pontos mais soberbos na canção; a outra participação é a da bela cantora Simone Simons (Epica), que canta inteiramente a faixa título, enfocando passagens mais épicas e sinfônicas.
Demais destaques ficam por conta de “Black Hearted Soul” (rápida e certeira, com solos bem trincados do Kiko) e “Perfect Symmetry” (tendo belas orquestrações), segue um pouco dos padrões que o público estava acostumado a ver da banda; e o disco fecha a tampa com a bela balada acústica, “Silent Call”, onde o Rafael volta ao vocal principal. Pra mim, ela já virou clássica e é indispensável na lista de melhores músicas do Angra.

Se o “Secret Garden” poderá vir a  ser considerado uma obra-prima eu não sei, mas que o disco vai ser lembrando por muitos não só pelo renascimento do grupo, mas também pelas mudanças que trouxe, sejam na formação ou na sonoridade.
O convite está feito pra você entrar nesse jardim secreto! 

Texto: Gabriel Arruda
Edição/revisão: Carlos Garcia
Fotos: Henrique Grandi

Ficha Técnica
Banda: Angra
Álbum: Secret Garden
Produção: Jens Bogren
Pré-produção: Roy-Z
Ano: 2015
Estilo: Power e Progessive Metal
País: Brasil
Selo: E-ar Music

Formação:
Fabio Lione (vocal)
Kiko Loureiro (guitarra)
Rafael Bittencourt (guitarra/vocal)
Felipe Andreoli (baixo)
Bruno Valverde (bateria)

Track-List
01. Newborn Me
02. Black Hearted Soul
03. Final Light
04. Storm Of Emotions
05. Violent Sky
06. Secret Garden (feat. Simone Simons)
07. Upper Levels
08. Crushing Room (feat. Doro Pesch)
09. Perfect Symmetry
10. Silent Call






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