quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Angra: Maturidade e Tranquilidade

 

Desde sua fundação, em 1991, o Angra não vivia uma fase tão boa e tão significativa desde o anúncio da, então, nova formação em 2001, com o álbum “Rebirth”. Passados os anos, ficou difícil a banda manter um clima tranquilo tanto nas partes internas e externas, resultando na saída do vocalista Edu Falaschi. Agora, em uma "terceira era", tendo Fabio Lione nos vocais e Bruno Valverde na bateria, o Angra vem adquirindo  créditos e resultados não só pela mudança de formação, e sim pelos novos rumos musicais em seu mais novo disco, “Secret Garden”.

O baixista Felipe Andreoli, em meio a turnê de divulgação do novo disco, tirou um tempo para conversar com a nossa equipe, falando sobre o atual momento da banda e sobre o mais novo lançamento, que vem recebendo elogios positivos, sendo, na opinião de fãs e críticos, já o tendo como melhor disco do Angra desde “Temple Of Shadows” (2004). 

Após tudo o que aconteceu entre 2010 e 2011, a banda ficou um ano parada tentando por a casa em ordem (com muitas dúvidas a respeito da continuidade da banda), começando pela mudança de formação, recrutando primeiramente Fabio Lione como novo vocalista. E de 2013 até o final de 2014, foi visto uma nova química entre a banda e um clima totalmente diferente que há muito tempo o Angra não vivia, que ficou explicito no DVD “AngelsCry – 20th Anniversary Tour” e durante a turnê de celebração do disco, até chegar o tão esperado disco inéditas, o já popular “Secret Garden”.  Confira a seguir a entrevista!



Esse novo momento é como se estivessem começando do zero novamente? Poderíamos dizer que é um Angra de espírito totalmente novo?
Felipe: Podemos considerar essa como a terceira grande fase do Angra, com a consolidação da formação com Fabio e Bruno. É difícil falar em começar do zero em uma banda com tanta história, mas de fato existe um clima hoje que a banda jamais viveu. A maturidade trouxe uma tranquilidade muito maior, hoje as coisas se resolvem de maneira muito mais tranquila, existe muito mais diálogo e, musicalmente, existia uma vontade reprimida de lançar um disco que nos orgulhasse, como foi com “Temple Of Shadows” (2004). Creio que a presença do Bruno e do Fabio nos ajudou a buscar inspiração pra fazer esse disco.


No “Secret Garden”, o Angra não traz somente dois novos integrantes (Fabio no vocal e Bruno Valverde na bateria) mas sim um novo direcionamento sonoro, muito diferente do que estamos acostumados a ver durante esses 23 anos que a banda está na estrada. E nesse novo trabalho vocês aderiram a uma pegada mais atual e explorando novos elementos, diferente de álbuns anteriores, sem deixar a brasilidade lado. De maneira simples, o disco é totalmente moderno. Foi um risco que vocês queriam tomar pra esse disco, mesmo imaginando os comentários positivos ou negativos dos fãs?
Felipe: É sempre um risco introduzir novos elementos. Existe uma grande parcela dos fãs de qualquer banda que não lida bem com mudanças. Pra nós, no entanto, essa renovação é muito saudável e necessária. Não tem como um músico em constante evolução fazer um disco igual ao de 20 anos atrás, por mais que muitos fãs gostem da ideia. Foi interessante acompanhar a reação das pessoas e perceber também que essa mudança era bem-vinda pela maioria, e isso ajudou a atualizar o som do Angra. É claro que existe uma série de atributos que não podem faltar, e eles estão lá. Mas resolvemos sim comprar algumas brigas e trabalhar com elementos que eram novos pra nós, pelo menos no ambiente do Angra. 


E quanto ao tempo para compor  “Secret Garden”, além de outros compromissos de cada um, ainda havia a segunda parte da “AngelsCry – 20th Anniversary Tour”, mas boa parte de 2014 foi dedicada ao processo de composição do álbum. Observando bem os vídeos que foram postados no canal do Youtube, tudo foi feito com bastante cuidado, e vejo que diferente do que houve quando da época do “Aqua” (2010), que areceu um álbum composto correndo contra o tempo. E a questão de compor em conjunto,  já que o Lione e o Kiko moram fora do país?
Felipe: A questão da distância acaba complicando um pouco, mas no fim das contas a banda se adaptou e criou um modelo de trabalho que não exige que todos estejam sempre juntos. Nós trabalhamos muito em duplas ou trios, de acordo com a disponibilidade de cada um, que acabou funcionando muito bem. Depois, com a banda completa, os aspectos mais globais dos arranjos foram sendo finalizados, e as músicas foram aos poucos ganhando a cara que têm no disco. O processo de composição não foi muito diferente do que fizemos no Aqua, a diferença principal está talvez no nível de inspiração das composições.


E a respeito do conceito (que aborda sobre espiritualidade e religião) de "Secret Garden", poderia comentar pra gente a sua visão do todo que envolve o álbum, e que principais mudanças ele trouxe com relação aos trabalhos anteriores?
Felipe: A história que nós criamos serviu de veículo pra expor os diferentes pontos de vista que temos dentro da banda. Cada conflito interno do personagem pode se traduzir como uma divergência de ponto de vista de cada um de nós. Acredito que esse tema é um pouco mais realista do que no disco passado, que combina mais com o Angra, e que sempre teve essa veia filosófica/existencialista.


Quando vocês divulgaram que a gravação seria feita na Europa (Suécia), com produção do gabaritado produtor Jens Bogren, imediatamente acreditei que o disco prometia ser um dos melhores da carreira do Angra. E ele conseguiu decifrar muito bem o que vocês queriam, completando com o conhecimento que ele tem. Foi a escolha certa pra assessorar toda a parte sonora do disco? Como chegaram até ele?
Felipe: O Jens foi fundamental para o resultado final do disco, não só na parte de timbragem, mas também na parte musical. Ele nos ajudou a finalizar os arranjos e aparar algumas arestas que tornaram as músicas melhores. Da parte sonora, fiquei extremamente feliz com o resultado. Quando buscamos o Jens para produzir o disco, era exatamente isso que eu tinha em mente, atualizar o som da banda. Eu sempre achei que a combinação das nossas músicas com um som mais potente daria muito certo.





Antes de partir pra Suécia para gravar o disco, vocês ganharam um bônus especial na pré-produção, convidando o lendário produtor e guitarrista Roy-Z. Vendo comentários de bandas e de pessoas que tiveram a oportunidade de trabalhar com ele, nenhum reclamou ou sequer ficou insatisfeito. O mais legal dele é que ele não procura achar o melhor som, mas sim as principais características do artista e saber tirar o melhor de cada um. Foi nesse sentido que ele colaborou? Na parte de composições e arranjos a opinião dele foi fundamental?
Felipe: O Roy foi muito importante nesse processo porque nos ajudou a entender o que nós queríamos como banda. Ele soube captar nossa essência e nos guiar pra onde queríamos ir. Ele tem muita experiência e uma visão bem diferente da nossa. Ele pensa um disco como um todo, não tem o apego às composições que nós temos e tem muito menos medo de arriscar. As composições pra nós são como filhos e que, às vezes, é muito difícil abrir mão de uma ideia ou modificá-la. A mistura desses dois approaches foi muito benéfica.


As músicas passeiam por momentos mais sombrios, obscuros e progressivos, até tendo elementos de música Pop. Entre as minhas favoritas está a “Final Light”, que tem um trabalho espetacular nas partes de guitarra. No refrão dela eu observei que a letra se encaixa no momento que a banda estava passando no passado: “Todas as respostas só nos levaram até o limite/Uma luz final nunca veio e nunca virá/Então nós caímos e levantamos e andamos de novo/A questão ainda prevalece/A luz final é o caminho e não o fim/Não é o fim”. Correta essa análise? Gostaria que você comentasse sobre ela.
Felipe: Você tem razão! Esse pensamento serve pra muitas situações na nossa vida, e sintetiza algo que eu acredito muito: “a verdadeira felicidade está no caminho, não no destino.” Na história do disco, esse é um momento onde o cientista se depara com um dilema, onde ele percebe que talvez nunca encontre respostas pra algumas de suas perguntas, mas que a pesquisa é o verdadeiro sentido do que ele faz.


O Rafael nunca escondeu a vontade de assumir alguns vocais dentro do Angra, e a oportunidade veio no “Secret Garden”, onde ele assume o vocal principal na “Violet Sky” e na balada acústica “Silent Call”; e também faz duetos na faixa “Storm Of Emotions” e na “Crushing Room”, que tem a participação da Doro Pesch. Como cantor as pessoas conheceram ele pelo seu trabalho solo, o “Bittencourt Project”. Passados sete anos desse trabalho, como você avalia o papel e evolução dele como cantor? Nas faixas que eu citei gostaria que você comentasse a evolução e mudanças se comparado ao  trabalho solo dele?
Felipe: Tendo participado do Bittencourt Project, eu pude acompanhar a evolução do Rafael como vocalista, e posso dizer que ele me surpreendeu com a qualidade do que fez no "Secret Garden". Sempre achei que ele tinha uma voz especial e uma maneira única de interpretar, mas hoje ele consegue aliar tudo isso com uma técnica muito mais apurada. Gostei muito do resultado. 


Já que citei a participação da Doro, queria que você comentasse essa participação e também da Simone Simons, que canta na faixa título, composta e arranjada pela mulher do Kiko, Maria Ilmoniemi. Qual foi a ideia de chamar ambas? Não esquecendo também das participações dos vocalistas Bruno Sutter (Detonator) e Alirio Neto (Age OfArtemis) fazendo os coros na faixa “Black Hearted Soul”.
Felipe: Toda participação traz novas texturas e pontos de vista para o disco, que o torna mais rico. A Doro e a Simone nos ajudam a contar a história do disco, nas passagens em que a personagem é uma mulher, mas mais que isso, trazem variedade com seus timbres e interpretações únicas. A Maria, esposa do Kiko, nos apresentou a música "Secret Garden", que imediatamente sabíamos que ia entrar no disco. É uma música diferente de tudo o que o Angra já fez, mas que ao mesmo tempo é totalmente pertinente ao disco. O Alirio e o Bruno são grandes amigos (muito próximos) e excelentes cantores, que foi um prazer contar com eles fazendo os corais da “Black Hearted Soul”.


É nítido que a saída de um integrante da banda é ruim pra todos, mas, por um lado, a chegada de novos membros traz novas ideias, tanto nas partes de composição, arranjos, conceitos e etc. O Fabio Lione, que já tem uma vasta experiência dentro da música, inovou muito a parte vocal da banda, trazendo uma nova química. Já o Bruno, que apesar de ainda ser muito jovem, trouxe influências de Jazz e Fusion que deram muito certo nesse novo disco. O que mais eles trouxeram de contribuição para o som do Angra?
Felipe: Cada integrante tem uma maneira única de abordar o instrumento, e o resultado final sempre é alterado pela mudança de um integrante. Em ambos os casos, achei a mudança muito positiva. O Fabio traz uma voz poderosa, com interpretação dramática, e funcionou muito melhor do que eu imaginava, pra ser honesto. Ele também pôde explorar nuances diferentes do que ele normalmente faz e mostrar um lado não tão conhecido da personalidade vocal dele. O Bruno é, na minha opinião, perfeito pro Angra, porque alia a técnica e a pegada com uma versatilidade absurda. Ele tem o melhor dos dois mundos entre um baterista estritamente Heavy Metal e um baterista de Fusion, porque tem muita musicalidade e sabe aplicá-la no contexto da banda, sem perder a potência.



Você entrou na banda em um momento de mudanças e, por que não dizer, "renascimento", já que o álbum "Rebirth" marcou uma nova era para o Angra. E agora "Secret Garden" também marca uma nova era. Como você descreve esses dois momentos, e como você sentiu nesses últimos anos, quando novamente a banda passou por incertezas?
Felipe: Essa é uma banda de grandes emoções, e pode ser muito imprevisível, até pra nós. Na época do Rebirth existia aquela euforia de estar reconquistando um espaço que ninguém sabia se a banda ainda tinha, mas ao mesmo tempo as relações pessoais ficavam em segundo plano, o que obviamente é péssimo a longo prazo. Hoje em dia temos uma tranquilidade muito maior, uma comunicação muito mais eficiente. E mesmo nos momentos de incerteza, somos mais maduros e objetivos nas tomadas de decisão. Sempre é difícil passar por esses momentos, mas com as relações dentro da banda bem consolidadas, não existe obstáculo que não possamos atravessar.


E o que mudou do Felipe que recebeu a notícia que estava entrando no Angra e o Felipe de hoje?
Felipe: Mudou tudo! Impossível traçar um paralelo, acho. Passados 14 anos tem tantas coisas que acontecem na nossa vida, e elas acabam moldando nossa personalidade. A maturidade é algo incrível! Quando mais perto eu chego dela, mais eu gosto. Ao mesmo tempo, não me arrependo de ter vivido aquela época da maneira que vivi, porque um garoto de 21 anos naquela situação poderia facilmente ter feito muito mais besteiras do que eu fiz. Sem dúvida a pessoa que sou hoje não existiria sem o Felipe de 2001, e por mais óbvio que isso pareça, faz muito sentido.


E quanto ao processo de criação dentro da banda? Como você vê seu papel nesse quesito?
Felipe: Ao longo dos anos minha participação foi sempre aumentando à medida que eu vou entendendo mais o estilo da banda e melhorando como compositor. Sempre tive uma participação grande nos arranjos, mas a partir do "Aurora Consurgens", fui apresentando mais ideias musicais. Neste último disco trouxe algumas ideias e criei outras em parceria com Rafael, Kiko e Fabio, e fiquei muito orgulhoso do resultado final. 


Muitos são da opinião que a banda estava devendo um álbum à altura de grandes trabalhos anteriores, e que "Aurora Consurgens"(2006) e "Aqua" (2010) ficaram muito aquém do esperado, principalmente o segundo, o qual também marca um período de incertezas. O que você pensa a respeito dessas afirmações, se são justas, e também como você analisa esses dois álbuns e o momento que a banda vivia naquele período?
Felipe: Depois de fazer um disco como Temple of Shadows fica muito difícil fazer algo do nível, especialmente com banda passando por situações como as da época do Aurora e do Aqua. Mas acredito que existem músicas excelentes em ambos os trabalhos, apesar de achar que os discos poderiam ser melhor trabalhados. Um clima favorável faz toda a diferença no resultado final.




Nesse finalzinho da entrevista, não poderia deixar de falar da entrada do Kiko no Megadeth, que gerou um grande impacto para o Heavy Metal nacional pela questão de um brasileiro ter entrado numa banda tão conceituada no Metal mundial. Mas, independente de nacionalidade, o certo é que foi escolhido por Dave Mustaine pela sua qualidade como músico. Você deve ter sido um dos primeiros a receber essa notícia, muito antes do anúncio oficial. Qual foi a sua reação e dos demais membros da banda?
Felipe: O Kiko foi muito correto durante todo o processo, nos mantendo informados de cada passo, desde o momento que ele fez contato por telefone com o Dave Mustaine. Nós ficamos muito felizes e eu, em especial, porque sou muito fã do Megadeth. Se tem alguém que merece estar ali é o Kiko, porque foi uma pessoa que me ensinou muito ao longo desses anos em que tocamos juntos. Ele sempre foi, pra mim, um exemplo de profissional, e acredito que vai fazer história com o Megadeth pela sua qualidade absurda como músico e guitarrista.

Felipe em ação! (Pic by Érika Beganskas)
Esse ano vai ser de muitos shows para o Angra, passando por Ásia, Europa, América do Sul e outros. Quais são os planos da banda para os próximos dois anos? Soube que vocês iriam gravar um DVD acústico no final do ano...
Felipe: Nós temos todo o ano de 2015 dedicado à divulgação do Secret Garden. No ano que vem devemos gravar o acústico em meados de Março/Abril.


Em todos esses anos tocando ao lado de inúmeros músicos dos mais variados estilos, qual a sua principal dica para os baixistas que estão iniciando sua jornada e querem se tornar profissionais? Felipe: A melhor dica que posso dar é que tentem ser pessoas melhores. É claro que é preciso estudar e se dedicar muito, mas as relações pessoais é que regem o quão longe você vai, mais do que a sua técnica. E isso inclui profissionalismo, respeito aos seus colegas, ser uma pessoa fácil de lidar, pontualidade e, enfim, todas aquelas coisas que servem pra qualquer situação de trabalho, mas em uma banda podem fazer a diferença entre o sucesso ou fracasso.


Muito obrigado pela a atenção, Felipe! Nos do Road To Metal desejamos a todos da banda uma excelente turnê!
Felipe: Muito obrigado e um grande abraço aos leitores do Road To Metal!

Entrevista: Gabriel Arruda/Carlos Garcia/Fernanda Vidotto
Edição/Revisão/Tradução: Carlos Garcia
Fotos: Divulgação



Confira a resenha do “Secret Garden” clicando aqui






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